Não pense você que o lutador norte-americano Chris Weidman é o único que deve temer Anderson Silva, 38 anos, por aí. Se andar fora da linha, o próximo a ficar na mira do "Spider", pode ser você. Isso porque, em sete meses, ele será um policial formado, em Los Angeles, nos Estados Unidos.
Depois de fraturar a perna esquerda na luta contra Weidman, em dezembro de 2013, e colocar uma barra de titânio na tíbia, Anderson dedica parte de seu tempo ao treinamento na academia de polícia local. "Todos os meus irmãos são policiais e meu tio também. Já tentei estudar no Brasil, mas desisti e meu tio ficou um mês sem falar comigo. Dessa vez, vou até o fim", diz.
O lutador, que antes só fazia o papel de tira quando brincava de paintball, seu passatempo predileto, com os amigos, avisa que não deve trabalhar nas ruas da cidade onde mora com a família. Ele quer criar um treinamento específico para a Swat. E, de quebra, deixar o tio que o criou, um militar, orgulhoso.
Como nos quadrinhos
Os amigos, aliás, estão sendo fundamentais durante a recuperação. "Falo sobre isso com poucas pessoas, como o Ronaldo (Fenômeno), que passou por um problema semelhante e é um exemplo de superação pra mim", diz. Ele afirma que não tem inimigos, mas que amigos de verdade são dois: Minotauro e Minotouro.
Assim como na história do "Homem-Aranha" dos quadrinhos, nosso herói foi criado pelos tios. Por isso, vive confundindo as palavras "tio" e "tia" com "pai" e "mãe". "Minha mãe não tinha maturidade suficiente para me manter em São Paulo. Então, fui para Curitiba com quatro anos para ficar com minha mãe, digo, minha tia", diz ele, que garante ter uma ótima relação com os pais biológicos.
Ao vivo, a cicatriz da cirurgia do lutador é quase imperceptível de tão fina. "Você consegue saber qual foi a perna do acidente?", desafia, em tom de brincadeira. Ele caminha normalmente, não manca, não usa muletas e é muito maior pessoalmente do que parece na televisão.
Três meses após a operação, período de muito choro, ele confessa, a rotina do lutador já voltou ao normal. Treina todas as manhãs, antes de levar os filhos para a escola. "De zero a dez, minha perna já está nove. Só não posso correr nem pular corda ainda."
A tão esperada revanche contra Weidman não é uma prioridade para Anderson. Ele afirma que voltará a lutar no ano que vem e que, até lá, muita coisa pode acontecer no torneio.
"Já fiz tudo o que pretendia fazer dentro do meu esporte. Tenho um título mundial na Inglaterra, um título mundial no Japão, um título no UFC. Quero voltar a lutar apenas porque é o que eu gosto de fazer."
Mas ainda há uma luta que faz os olhos de Anderson brilharem. Quando fala do lutador Roy Jones Jr., supercampeão de boxe e um de seus ídolos, ao lado de Muhammad Ali, Anderson muda a postura e parece um garoto no início de carreira. "Quero tanto essa luta que até já sonhei com ela. Não é algo que eu quero fazer por dinheiro, é um desejo pessoal, o sonho da minha vida", diz.
"Tive uma conversa com o pessoal do UFC e ela foi bem ruim. Estou triste com o Dana White (presidente do Ultimate Fighting Championship) porque ele não me liberou para realizar esse combate. Nenhum dos responsáveis ali entendeu o meu lado, apenas o lado do negócio", diz.
Will Smith, sim, cobra não
Além da Academia de Polícia de Los Angeles, uma outra academia, a de cinema, também está na mira do lutador. "Assinei um contrato com a ICM, uma das três maiores companhias de agenciamento de atores nos EUA, e faço aula de artes cênicas."
Ao contrário do que se imagina, ele não quer fazer filmes de luta. Mas gosta de ação e suspense e não descarta a possibilidade de encarnar um policial. "Um dia, espero poder contracenar com Denzel Washington e Will Smith."
Anderson se diz preparado para o papel que vier, só teme ter que contracenar com uma cobra. "Sinto medo antes das lutas, mas medo mesmo eu tenho é de cobra", ri. Dois dos cinco filhos de Anderson chegaram a acompanhá-lo nas aulas de atuação, mas o pai linha-dura já acabou com a brincadeira: "Isso começou a atrapalhar os estudos, então eles pararam. Só voltam durante as férias."
Criado com disciplina militar, Anderson confessa ser mais rígido com a família do que o tio era com ele em sua infância, vindo bem a calhar a lição ensinada pelo tio de Peter Parker, o Homem-Aranha original: "Com grande poder, vem grande responsabilidade".
"Quero mostrar aos meus filhos a oportunidade que eles estão tendo de crescer em uma situação confortável, poder mudar alguma coisa no mundo e ser bons seres humanos", diz.
Antes de ser o Spider, ele lembra que já teve que trabalhar no McDonald's e que sofreu preconceito. Como no dia em que um cliente disse que não queria ser atendido por um negro.
"Isso nunca me afetou. A educação que eu recebi me deu segurança. Nas situações ruins, sou como a água. Eu me moldo e passo por onde eu tenho espaço, sem me preocupar muito com o resto. Tento ensinar a mesma coisa para as crianças."
O passado de aluno-problema, bom em ciências, mas muito inquieto e baderneiro, não limpa a barra dos filhos. "Na escola, eu era terrível. Cheguei a ser convidado a me retirar. Mas hoje sou um dos caras mais chatos e organizados que eu conheço", diz.
"Lá em casa, meus cinco filhos e minha mulher, com quem sou casado há 22 anos, dizem que eu tenho TOC. Se tem alguma coisa fora do lugar, eu vou lá e arrumo. Dou bronca, não tolero indisciplina e regulo os horários de tudo."
Um mês antes de completar 39 anos, o lutador afirma já ter sido muito abençoado na vida. "Se eu acredito em sorte? Acrediiiiiito. Ela sempre chega para quem treina pesado", diz. "Minha meta é chegar aos 80 anos saudável e consciente. O resto eu já sei. Vou ser um daqueles velhos bem chatos e cheios de manias."