Em meio a questionamentos sobre a situação da fiscalização da passagem de carretas com cargas em rodovias que cortam o Espírito Santo, o efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Estado está desfalcado. Atualmente, entre 12 e 15 agentes que atuam no Espírito Santo são deslocados para o Rio de Janeiro todo mês, o que representa cerca de 7,5% do efetivo operacional do Estado.
O debate está em voga entre os capixabas após mais um acidente envolvendo um caminhão com carga acima do peso matar 11 pessoas na BR 101 Sul. Além disso, as chapas de granito carregadas pelo caminhão não estavam devidamente presas à estrutura do caminhão, segundo a PRF.
O governador, Paulo Hartung, e o secretário de Segurança, André Garcia, pediram ao ministro da Justiça, Torquato Jardim, que o efetivo seja recomposto no Espírito Santo. Torquato esteve ontem em visita à Secretaria de Segurança Pública (Sesp) ontem para, entre outros tópicos, discutir o Plano Nacional de Segurança e almoçou com Hartung.
NACIONAL
Garcia alegou que o número de agentes que fiscalizam as estradas no Espírito Santo é baixo e, ainda assim, policiais estão atuando em operações nacionais.
“Não vou fazer pedido por concurso público, porque isso é impossível nesse ano, mas foi feito o pleito do governo para que pelo menos o efetivo que temos hoje não seja utilizado em operações nacionais. Nós temos hoje um efetivo pequeno e ainda comprometido com operações fora do Estado”, acrescentou.
O ministro se recusou a responder as perguntas dos jornalistas, mas Garcia afirmou que Torquato ficou de analisar o quadro.
“Existe uma prioridade do governo federal que é atender o quadro caótico do Rio de Janeiro, mas ele vai levar isso em consideração para futuras operações. Temos pedido de forma reiterada para não prejudicar o patrulhamento que já é muito prejudicado pela falta de pessoal”, disse o secretário.
DIFICULDADE
Mesmo com a recomposição do efetivo da Polícia Rodoviária Federal (PRF) no Estado, com a volta dos policiais cedidos para missões fora do Espírito Santo, a expectativa do secretário de Estado da Segurança Pública, André Garcia, não é de uma fiscalização adequada nas rodovias federais.
“Esse é um problema crônico nacional. Não há nenhum Estado da federação em que o efetivo da PRF esteja adequado. Eles reconhecem isso. Há um esforço do governo federal para melhorar esse quadro mais à frente”, afirmou o secretário.
18 agentes da PRF em 900 KM de rodovias
A Polícia Rodoviária Federal conta com 18 agentes por dia para fiscalizar cerca de 900 km de rodovias federais no Espírito Santo. Efetivo insuficiente para atuar com qualidade nas estradas, segundo o presidente do Sindicato dos Policiais Rodoviários Federais no Estado do Espírito Santo (SINPRF-ES), Gustavo Telles.
O número corresponde às nove equipes de ronda. São elas as responsáveis por parar os veículos. No entanto, a escala diária conta com 25 pessoas, sete ficam dentro dos postos: Ibatiba, Viana, Guarapari, Safra, Serra, Linhares, São Mateus.
“A probabilidade do veículo ser parado é mínima, temos problemas com caminhão de pedra, eucalipto, condutores embriagados. A demanda é monstruosa com um efetivo reduzido. A fiscalização poderia ser mais eficiente se houvesse no mínimo 18 equipes de ronda, que poderiam atingir todos os pontos, inclusive os desvios”, aponta.
Ele explica que além da falta de efetivo, outro problema é a falta de recursos. Os veículos ficam parados para economizar combustível. “Foram reduzidos 40% do orçamento, a maior parte do tempo as viaturas permanecem nos postos para economizar”, explica.
DEFASAGEM
Atualmente, a PRF conta com cerca de 250 pessoas, sendo que aproximadamente 150 atuam na área operacional e se dividem em escala de 24 por 72 horas. Cerca de 100 foram remanejados para a área administrativa.
“Estamos à beira do caos e não demora parar o serviço por falta de agentes, precisaríamos, no mínimo, de 400 pessoas. O efetivo é igual ou inferior há de 20 anos, enquanto isso, o número de veículos que trafegam é muito maior. Não adianta investir em tecnologia se não há gente suficiente”, completa.
Ele afirma que muitos pontos estão prejudicados, como no posto da PRF em Ibatiba, que em algumas escalas não há agentes. “Teria que ter no mínimo dois policiais no posto e dois numa equipe de ronda para atender o trecho de Venda Nova, que faz divisa com Minas Gerais. Hoje, o posto trabalha com dois ou nenhum”, comenta Telles.
Além disso, 15 policiais foram deslocados para uma operação no Rio de Janeiro. Para Telles, a solução está na realização de concurso público na área operacional da Polícia Rodoviário Federal e o setor administrativo. Dessa forma, os agentes não precisariam ser remanejados
“Muitos estão trabalhando na área administrativa, serviço que poderia ser realizada por pessoas de nível médio. Hoje precisamos com urgência do concurso, no Brasil são 3,5 mil pessoas a menos, número que se reduz a cada ano com aposentadorias. Dessa forma, poderemos prestar um serviço com mais eficiência”, diz.
A PRF foi procurada para confirmar os dados informados pelo sindicato, mas até o fechamento desta edição não havia respondido à reportagem.
“Não houve erro na fiscalização”, diz inspetor da PRF
O superintendente da Polícia Rodoviária Federal, Wylis Lyra, informou que o caminhão com pedras de granito não passou por nenhum posto da Polícia Rodoviária Federal (PRF) e, por isso, não houve fiscalização do veículo na rodovia.
“Não houve erro na fiscalização. Eu só consigo fiscalizar onde estou presente, ele saiu de Cachoeiro e com pouco tempo na BR 101 se envolveu no acidente. Temos que questionar é por que ele saiu de forma irregular? Por que o proprietário deixa a pessoa sem habilitação transportar carga?”, afirma.
PROBLEMAS
Lyra explica que o condutor não possui autorização para transportar esse tipo de carga. Ele é caminhoneiro habilitado, mas durante a ocorrência não apresentou o comprovante de curso de cargas indivisíveis, obrigatório na Resolução de Transporte de Rocha.
O motorista pode ser apontado como culpado pela PRF pela morte de 11 pessoas na BR 101. “Há indícios que seja o responsável do acidente devido a diversos fatores, como não ter habilitação necessária”, comenta.
Além da falta de autorização, ele estava dirigindo em alta velocidade para a via. A velocidade máxima no trecho é de 80 km/h, mas o motorista do caminhão estava a 110 km/h, quase 40% acima do permitido.
O superintendente disse que o relatório não foi fechado, ele está sendo feito com a ajuda de um agente especializado em perícia. No entanto, acredita que poderá ser concluído ainda nesta semana.
Setor de rochas: empresas têm de cumprir as regras
Além de aumentar a fiscalização e duplicar rodovias como a BR 101, para diminuir os riscos de acidentes causados por transportes de cargas nas estradas é preciso que as empresas envolvidas no comércio de rochas se responsabilizem por quem estão contratando para fazer o transporte. Essa é a opinião do Centrorochas, entidade que representa as empresas exportadoras de rochas. Já o Sindicato da Indústria de Rochas Ornamentais, Cal e Calcários do Espírito Santo (Sindirochas) diz que pretende contar com o apoio da população na fiscalização.
A superintendente do Centrorochas, Olívia Tirello, avalia que o problema principal “não é falta de norma, mas irresponsabilidade”. Para ela a regulamentação para transporte de rochas é bem elaborada e segura, mas, muitas vezes, não é seguida.
Segundo Olívia, fiscalizar não significa garantir o fim do risco iminente de acidentes. “Uma intensificação da fiscalização sempre é útil, mas a gente não pode só transferir. Temos que assumir as responsabilidades. Podemos ter a melhor regra de segurança, se não tem responsabilidade, não adianta”, disse, elencando como essenciais medidas como contratar motoristas treinados e empresas com documentação em dia.
Olívia também ressalta que, caso seja comprovada a responsabilidade do condutor no acidente, a culpa não deve cair somente sobre o ele. A superintendente explica que nessa situação existem três atores: a empresa que carregou o caminhão, o condutor e a empresa que iria receber a carga.
PROPOSTAS
O presidente do Sindirochas, Tales Machado, afirmou que diversas reuniões têm sido feitas para tentar solucionar a questão. “O treinamento para os condutores já existe, o que a gente vai fazer é trabalhar em cima de possíveis falhas”, disse.
Tales afirmou ainda que, embora a resolução já esteja bem ajustada, alguns projetos já estão sendo pensados para reduzir os riscos de acidentes. “Estamos querendo fazer informes para divulgar as normativas e fazer com que a população ajude a fiscalizar”, completou.
O transporte de cargas como rochas e madeiras, mundo afora, é típico de ferrovias. De acordo com Olívia, uma malha ferroviária que desse acesso aos portos já seria suficiente para retirar das rodovias esses tipos de cargas que oferecem riscos.
Tragédia pode render até 30 anos de cadeia
Já se passaram três dias desde a tragédia que deixou 11 mortos na BR 101 em Mimoso do Sul e, até agora, ninguém foi punido. Especialistas afirmam que, mesmo que as investigações comprovem que o condutor do caminhão foi quem causou o acidente, tanto a empresa que carregou o caminhão quanto a empresa que iria receber a carga também podem ser penalizadas.
O advogado e professor universitário Renan Sales explicou que os responsáveis podem ser condenados por homicídio qualificado. As penas variam de 12 a 30 anos por cada vítima. “Muito embora não tenham tido a vontade direta de matar, assumiram o risco de produzir inclusive mortes”, explicou.
A única possibilidade de não responderem criminalmente é se for comprovado que a responsabilidade pelo acidente foi da vítima.
Ele ressalta, no entanto, que, se for confirmado que o motorista do caminhão foi o causador da tragédia, não só ele como também os empresários poderão ser processados.
“Como no momento só há uma investigação, ninguém é culpado de nada, serão apenas investigados”, destacou o advogado.
Compradoras negam ter relação com a entrega
Segundo o delegado-chefe da Polícia Civil, Guilherme Daré, a carga de granito envolvida no acidente saiu de Conduru, distrito de Cachoeiro de Itapemirim, e seguia para Mogi das Cruzes, São Paulo.
A compra foi feita pela Hesa Investimentos Imobiliários, que afirmou em nota que não tem qualquer relação com a contratação do transporte das placas de granito.
Funcionários da Verona Marmoraria, também responsável pela compra do granito, disseram que a empresa não se pronunciará porque também não tem relação com o transporte.
O transporte foi contratado pela empresa Colodetti Granitos, que foi procurada pela reportagem durante o dia de ontem e disse que só se pronunciaria hoje.
Fonte: gazetaonline.com.br